quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Rolando na Vitrola: Os Mutantes - Boxset (2014)


Quando anunciaram na imprensa “especializada” que seria lançado um box dos Mutantes com todos os álbuns clássicos e mais um outro só de “raridades”, eu fiquei ouriçado e queria ter esse material de qualquer jeito já que  em 1992, fiquei praticamente de fora dos relançamentos só com o primeiro disco e em 2006, o prêmio de consolação foi o Foi Tudo Feito Pelo Sol (1974). Só que quando vi o preço desse relançamento pensei: “vou outra ficar de fora, mas dessa nem prêmio de consolação terei”. Só que como sou frequentador assíduo da Livraria Saraiva, compro muitos livros tanto para estudar como para lazer, me esqueci do cartão deles onde é possível acumular pontos e ter descontos em qualquer seção e quando solicitei a um atendente para conferir os pontos quase cai para trás, pois foi possível fazer aquisição, mas pagando uma diferença muito pequena.



Quando peguei as sacolas e vi o box lá dentro senti alívio imediato e em pensamento dizia para mim mesmo: “Poxa, agora, depois de mais vinte anos, satisfiz meu sonho!” e me despenquei para casa com aquele sorriso rasgando o rosto de lado a lado. Antes, eu era obrigado a ouvir em MP3, nossa que porcaria, era algo tenebroso e os dois últimos álbuns que tanto subestimei e deixei de adquirir em lp hoje são os meus preferidos e toda a vez que pego a caixa para ouvir esses são os únicos que repito uma, duas, três ou mais audições consecutivas. Esses paulistas foram a melhor e maior banda não só do Brasil, mas de todos os tempos e andavam em pé de igualdade com seus contemporâneos estrangeiros. O som apesar de sofrer influência dos Beatles não se resumiu a ser uma cópia dos garotos de Liverpool, muito pelo contrário, foi o casamento perfeito do psicodélico, do rock e de mais um sem números de gêneros genuinamente brasileiros que transpiram por cada um desses álbuns.  

Eles foram à primeira banda a colocar guitarras numa música que antes era feita por violões e outros instrumentos não elétricos, ou seja, revolucionário e incendiário com toda a originalidade inerente ao trio, que fez a rapaziada da tropicália delirar na intensidade dessa viagem lisérgica pelos confins de um país que se redescobria nas artes transpirando originalidade. Esse box é indicado para aqueles que nada têm ou nada conhecem dessa turma, os que já têm só se for pela coletânea, pois não há novidades sobre mixagem, masterização, ou seja, continua tudo como foi lançado no ano de 2006. Os discos presentes são: Os Mutantes (1968), Mutantes (1969), Ando Meio Desligado ou a Divina Comédia (1970), Jardim Elétrico (1971), Mutantes e os Seus Cometas no País do Baurets (1972), Tecnicolor (2000) e Mande um Abraço para Velha, que é o tal disco extra com raridades. Junto com os discos vem um livro contando a história da banda e tem as resenhas de todos os álbuns. Esse box pela sua preciosidade devido a escassez dos álbuns no mercado merece ter os discos comentados por aqui, um a um, em ordem cronológica.        




Este é o maior clássico da banda e sem qualquer sombra e dúvida pode entrar em qualquer lista dos maiores álbuns de estreia em qualquer publicação brasileira ou estrangeira.  "Panis et Circences" é o maior hit do grupo, a composição é de autoria de Gil e Caetano dada de presente ao grupo. A letra é uma critica clara a classe média e a burguesia daqueles dias encastelada em seu pláscido comodismo de onde só interessava no que era tangível. "A minha Menina" é uma composição de Jorge Ben, um samba rock trespassado por guitarras seminais, que faziam soar as vozes da revolução musical. 

"Adeus, Maria Fulô" é de autoria de Sivuca (parceria com Humberto Teixeira), um baião que ganha contornos de samba no seu desenrolar. "Bat Macumba" apresenta as raízes africanas apostando no rítmo tribal. "Senhor F" é um tema de rebeldia bem inteligente e muito bem descolado. "O relógio e Le Premier Bonheur Du Jour" trás os ritmos músicais franceses cantandos naquela língua, um show de canção e de interpretação de Rita Lee. 

Psicodélico a essa altura já sabemos que este disco é e é ótimo só por isso, mas ele também é experimental e ao longo dele acabamos por apreender isso princpalmente quando embarcamos no "Trem Fantasma" e os caminhos ainda mais lisérgicos dessa viagem vem com "Gengis Khan" uma aventura instrumental pelo oriente. "Tempo no Tempo" é uma releitura de "Once Upon a Time I Trought originalmente escrita por Jon Philips para o Mama and the Papas. Outra de Caetano, um sucesso pronto, "Baby" ganha uma roupagem rock e já começa a empurrar os nossos ouvidos para o lado experimental muito bem testado dessa rapaziada quem foi além da América e da Europa nas suas pretenções.

Se o primeiro álbum havia abertos portas, o segundo não poderia ser diferente, mas que caminho seguir? A resposta não era difícil de saber, pois quando mais experimental melhor era essa uma das mensagens entregues pelo primeiro, com críticas bem colocadas recheados de um bom humor também inteligente. Talvez aqui esteja um dos álbuns mais experimentais e um dos maiores do grupo. No final de 1969, em pouco mais de uma semana saiu do forno, este conta com as entradas de Dinho (baterista) e de Claúdio César Baptista, nos eletrônicos.

A épica "Don Quixote" abre o álbum com todo o seu experimentalismo que transparece a cada faixa deste trabalho, a seqüência de faixas nesse campo é sem igual imagine os ouvidos captando o som de "Dia 36", "Mágica" ou mesmo ouvindo freneticamente "Qualquer Bobagem" e som hipnótico de "Caminhante Noturno" (finalista do III Festival Internacional da Canção). O ritmo rock de "Banho de Lua", que simplesmente parece reinventar a versão original, que sinceramente é inferior. 

"Não Vá Se Perder Por Ai" era um recado para os que estavam luta para "Não queira dar o passo maior que as pernas podem dar" temperada com uma sonoridade country/rock. Até o sertanejo entrou nas miscelanea musical dessa turma, na faixa "2001" o futuro parecia mais perto. Em "Fuga nº II" melodias singelas embalam as fantasias daqueles que se resolvem se mandar de casa apostando numa ilusão nem sempre bem sucedida. A canção "Rita Lee" exibe uma boa dose de bom humor. "A canção "Algo Mais" apresenta o lado pop/psicodélico do grupo para o ouvinte, pois a vida sempre tem algo mais para oferecer.    

Em 1970, os Mutantes lançaram o terceiro disco e da-lhe mais experimentações e psicodelia e os ouvidos que se preparem e se cuidem para aguentar o que vem pela frente. Nesse disco recrutam Liminha para assumir a tarefa de tocar o baixo e ainda puderam contar com a participação de Naná Vasconcelos que comandou a percussão com ares de gênio. A mistura de gêneros variados mesclados com o psicodelismo experimental continuavam seguindo seus rumos anarquicos sem limites levando-os por estradas de vários sentidos, sem fim, ou seja, transpirava-se criatividade. 

E o grande momento do disco falava por metáforas, o uso de drogas e as demais experiências daqueles tempos estavam estampadas na psicodélica "Ando Meio Desligado". "Quem Tem Medo de Brincar de Amor" tocava no tabu da virgindade algo aterrador para as mulheres e moças naquela década. "Ave, Lucifer" seria um ode a satanás ou uma provocação a sociedade ultra religiosa? Talvez os dois, porém a melodia suave é bem provocante. O blues/rock de meu "Refrigerador Não Funciona" com letra em inglês era na verdade um paródia, bem humorada. "Desculpe Babe" é uma ótima balada sobre despedida, a parte ruim dos relacionamentos que um dia sempre chegam,"Haleluia" e seu rock misturado com o coro religioso, uma belezinha de música.

O escarnio tem sua vez em "Hey, Boy" uma crítica aos playboys paulistanos que só queriam saber de boa vida e mais nada. Roberto e Erasmo ganharam uma releitura de "Preciso Urgentemente Encontrar um Amigo", um bom som nos estilo da banda. "Chão de Estrelas" um bolero clássico causador mal estar pela interpretação em tom de deboche algo inaceitável naqueles dias. A música "Jogo de Calçada" e o seu rock incendiário arrancam suspiros dos casais de namorados. A missão de fechar o álbum ficou a instrumentral "Oh! Mulher Infiel", e pronto estava encerrada a divina comédia mais brasileira de todos os tempos.         

A música passava por várias mudanças com o aparecimento de bandas que levariam o blues a outro nível e, bandas como os Beatles, The Doors, Jimi Hendrix nessa altura já eram passado e a década de 1960 era passado que havia ficado para trás melancolicamente, pois não possível, para a geração paz e amor salvar o mundo, mas a música continuava mostrando várias possiblidades e outro sem número de temáticas. Os Mutantes estavam nesse período com três álbuns nas costas onde abusavam de tudo o que tinham nas mãos para fazer a usina de álbuns continuar florescendo e em 1971, os experiências lisérgicas chamavam-se Jardim Elétrico.  

Além de usar e abusar da irônia e do deboche temperados por um bom humor singular, os lances psicodélicos, experimentais continuavam ali auxiliando a banda forjar um som cada vez mais poderoso, porém com um novo detalhe que diria muito sobre o futuro, pois o progressivo estava ali escondinho. A faixa Top Top, uma metafora que significava "vai se fuder", mas devemos lembrar que era o período mais sanguiinário e rigido da Ditadura e palavrões em público davam problema (coitada da Dercy Gonçalves) e outra que abrigava outro era "Portugal de Navio" que significava "Vai para Puta que te Pariu", ou seja, irreverência e deboche ao extremo. Letras em português, inglês e espanhol você ouve por aqui. 

O sarro e tirado de Tim Maia em "Benvinda" pelos trejeitos americanizados do sindico são impagavelmente engraçados. O sarro com a esquerda latino americana é escuta em "El Justiceiro". "Tecnicolor era o misto de progressivo com psicodélico cantado em inglês. As influências de rock britânico comparecem em "Virgínia". "Baby" de Caetano Veloso ganha uma versão no rítmo da Bossa Nova. "It's Very Nice Pra Xuxu" um bom tema romantico no estilo comédia. Em "Jardim Elétrico" o psicodélico e o progressico se reencontram para incendiar o cérebro. A anarquia de Saravá é para virar de cabeça para baixo com sua mensagem de paz vestida de rock para espantar o mal olhado, dos detratores do grupo.      

Este é o último disco da formação clássica dos Mutantes. Aqui temos um álbum tão bom quantos os outros, mas que é pouco lembrado nas listas de melhores pelo menos do Brasil. Aqui o som começa a tomar contornos do que viria a ser apresentado em "A" e o "Z", o primeiro álbum pós-Rita Lee. Assim como os seus antecessores apresentavam o psicodélico, o experimental e a variação de gêneros, a marca registrada do grupo em todos os discos aqui também continuaram firmes e fortes. O título é engraçado, mas era uma brincadeira com os grandes nomes do rock, porém a palavra Baurets é uma invenção de Tim Maia.

A abertura vem com "Posso Perder Minha Mulher, Minha Mãe, Desde Que Eu Tenha o Rock and Roll", a música nos estilo do rock tocado por Little Richard, Chuck Berry para narrar uma triste história corrente na década de 1970, pois muitos jovens despareciam devido o terror de Estado e se as pessoas perdiam amigos e parentes, elas não poderiam perder o rock porque ele seria o instrumento de denúncia dos crimes de Estado. "Cantor de Mambo" trás os rítmos latinos nas ondas da psicodelia em clima praiano.  Se "Dune Buggy" tem como tema a velocidade nada mais apropriado do que um rock para embalar a corrida. Em história estudamos o passado para reconstruí-lo e os Mutantes fizeram o mesmo com "Rua Augusta" canção gravada por Ronnie Cord em 1964, para a exemplo de "Hey, Boy" voltar a atacar os playboys paulistanos encastelados em suas bolhas. 

"A Hora e a Vez do Cabelo Crescer" é rock pesado nos moldes dos medalhões britânicos e americanos e já rolava um namoro em estágio avançado com o progressivo, na faixa título (instrumental) o namoro virou noivado com o progressivo. "A Balada do Louco" é a faixa emblemática do grupo, ou seja, um clássico contracultural aonde nitidamente há um desprezo pela medíocridade da vida normal sem perspectiva para fora do modelo tradicional. "Vida de Cachorro" é uma declaração de amor para os melhores amigos do homem. "O Beijo Exagerado" era um espécie de emblema daquela geração e das vontades de sair do lugar comum e desbundar por ai. "Todo Mundo Pastou" era a decepção da falta de abertura política que naqueles dias estava tão distante, mas não tardaria a chegar no seu cavalo branco e enquanto ela não viesse todos continuariam pastando (se ferrando).      

Os Mutantes em 1970 fizeram a sua segunda excursão a França, mas dessa vez foi para substituir Elis Regina e tocaram no Teatro Olympia e a exemplo da primeira vez, em 1969, saíram-se bem. Um produtor da Polydor foi aos camarins e fez ao grupo uma proposta para gravar um disco em inglês para mercado externo, no caso, o Europeu, Inglaterra e França eram o alvo desse lançamento, o grupo não pensou nem uma vez e aceitou de imediato. Foram para Paris e internaram-se no estúdio Des Dames com o produtor Carlos Olms, cuja orientação era para que este "novo álbum" soasse ainda mais brasileiro.

Músicas como Minha Mina de Jorge Ben ganharam nova releitura e novo nome passando a chamar-se “She’s My Shoo Shoo”. Ando Meio Desligado ganhou letras em inglês e passou a ser “I Feel a Little Spaced Out” uma ótima versão principalmente o solo de guitarra no final. “Panis Et Circences”, “Bat Macumba”, “Adeus, Maria Fulô” e “Le Premier Bonheur Du Jour” e também viram as suas versões originais ganharem novas releituras ficando ligeiramente mais leves, porém mais refinadas. A canção "Baby" ganhou letra em inglês e rítmo bossa nova. A faixa "Desculpe, Babe" passou a ser "I'm Sorry Baby", pois também foi traduzida para o inglês. 

As faixas "Tecnicolor" "Saravah", "El Justiceiro" e "Vírgínia"(no álbum foi graada em português) foram lançadas em 1971, no álbum Jardim Elétrico já que Tecnicolor teve seu o seu projeto abortado e ficou na gaveta por três décadas esperando para sair da caverna. Os Mutantes através de Antônio Peticov, que era residente em Londres na época e havia viajado a França, Paris, para encontra-los aproveitou desse momento e os introduziu no mundo do LSD. Os Mutantes foram a banda mais importante do Brasil, nos posteriores ao fim do grupo foram largamente citados como influência por outras gerações e artistas como  Chris Novoselic e Kurt Cobain do Nirvana, Beck, Fugazi e Sean Lennon os citaram como influência e referência e o último chegou a disparar que "Os Mutantes foram mais revolucionários do que os Beatles" e ainda fez a ilustração para a capa do álbum. Era um álbum cujo objetivo era coloca-los em pé de igualdade com  os gringos, mas mal sabiam que os anteriores já os colocavam a vários passos a frente de seus contemporâneos estrangeiros, mas é uma pena que o público brasileiro não dá valor ao que tem e que inclusive os grandes nomes a quem tanto se idolatra se ajoelham e reconhecessem a grandiosidade da música brasileira. 


Este é o sétimo e último disco da caixa, aqui estão às raridades que justificam este belo pacote. Para quem não sabe Os Mutantes no período áureo, atéo fim dele gravaram em estúdio com diversos artistas gente como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ronnie Von (que os lançou e inclusive lhes deu nome Os Mutantes). Quatro das faixas que constam no neste álbum são de Rogério Duprat, um medley com "Canção para inglês ver" e "Chiquita Bacana" e até canções gringas como "The Rain, The Park and the Other Things", Cinderela-Rockfella (um grande sucesso da dupla Esther and Abi Ofarim). 

Os Beatles, a grande influência, não poderia ficar de fora e aqui a coverizada foi "Lady Madonna" (composta por McCartney e Lennon). As canções de Caetano Veloso aparecem em peso, ou seja, são quatro "Baby" (que já havia sido gravada e até vrsão em inglês já havia recebido), Saudosismo que surfa nas ondas da Bossa Nova (uma grande referência para a galera da época), o samba também rola com "Marcianita". "Domingo no Parque" a primeira aparição do trio com Gilberto Gil não poderia ficar de fora, essa é daquelas que arremete a época dos festivais de música dos quais eles participaram inúmeras vezes. 

Falando ainda de festivais aqui vai mais outra "Glória ao Rei dos Confins do Além" e ainda tem mais duas versões para a Ando Meio Desligado uma é de estúdio gravada em compacto e outra é ao vivo  do disco IV Festival Internacional da Canção Popular. Mande um abraço para velha, a faixa título" tem uma história curiosa, pois foi a última faixa a ser registrada pela formação original, ela é um rock com samba, ou seja, era totalmente original, inédita especialmente para aqueles dias. Só que o era bom dura pouco e conta-se que após a participação no VII Festival da Canção onde a música foi lançada e saiu no LP chegou a final, mas não ganhou, a banda reuniu-se para decidir os rumos futuros e durante a conversa franca entre os membros deixaram claro que Rita Lee e os irmãos Sérgio e Arnaldo e mais Dinho e Liminha estavam rumando seu navio para os mares do progressivo e assim se deu a separação do grupo pondo termo a formação original da banda.               


      

   







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