domingo, 10 de maio de 2015

Rolando na Vitrola: Black Sabbath - Sabotage (1975)


O Black Sabbath começou a sua carreira virando o mundo da música de cabeça para baixo, ou seja, aquela música pesada, um blues de guitarras distorcidas cheios de riffs e solos trovejantes acompanhados de uma instrumental que sustentava aquela anarquia sonora que se locupletava com letras sombrias de deixar qualquer pessoa de cabelos em pé, foi assim que aconteceu na sexta feira 13 de fevereiro, em 1970, o heavy metal surgia para atormentar as famílias que estavam ainda acostumando-se a ver seus filhos e filhas encantados com a sonoridade da década anterior.



Quando Paranoid surgiu às coisas não foram diferentes, pois ao invés de falarem do sobrenatural, os caras preferiram mostrar como o mundo que viviam era sujo, porém algo havia mudado no som dos caras, mas áurea sombria, gótica permanecia ali o que havia de fato acontecido era um amadurecimento parte de um processo evolutivo que seria o fio condutor do grupo ao longo de sua carreira, pois cada álbum seria um número, ou seja, parte de um quebra cabeças complexo. A confirmação veio em 1971, com Master of Reality, o som mais uma vez evoluíra e ficará ainda mais bruto, porém as letras ainda que diversas possuíam um forte apelo social e mais uma vez mostravam as mazelas do mundo que muitos não gostavam e de ver ou de lembrar-se as empurrando para debaixo do tapete.


Em 1972, o Black Sabbath construiria um caminho sem volta nesse longo processo, a sonoridade daria um salta ainda mais ousado, o quarto álbum intitulado apenas de Volume 4 trazia composições mais elaboradas que os anteriores mostrando um refinamento singular, algo inerente aos gênios e as letras agora não falavam e nem mais denunciavam o mundo que viviam, mas contavam outros fatos da vida, aspectos psicológicos, estados mentais, abusos de drogas e fugas da realidade. O ápice foi atingido com Sabbath Bloody Sabbath, 1973, o álbum trazia as composições ainda mais elaboradas com arranjos mais complexos e recheados momentos fortes, pesados e emocionais também e as letras continuavam como antes.

A banda nessa altura já havia conquistado uma posição sólida no cenário, ou seja, os álbuns eram aclamados junto à impressa e aos fãs e os shows muito concorridos, a criatividade atingia níveis estratosféricos e nessa esteira vinham álbuns cada vez mais fortes e o mais importante todos eles tinham personalidade própria, pois tinham origem em diferentes momento e contextos que possibilitavam essa independência, vida própria. So que no Black Sabbath nem tudo eram flores, pois Tony Iommi estava exausto em 1974, pois a turnê havia exaurido o guitarrista e ainda soma-se a isso as tensões, o stress que não atingiram apenas o guitarrista, pois era consenso entre todos os demais membros que deveriam dar uma pausa para recarregar as baterias. Durante o período de férias, os integrantes encontravam-se em suas casas na Inglaterra e como tudo o que é bom termina rápido, os caras receberam uma oferta irrecusável para tocar no festival canadense California Jam cujo cast contava com nomes como o Deep Purple (que se apresentou o MK III) e o ELP, e lá tocaram para um público gigantesco, ou seja, eram trezentos mil pagantes na plateia.


Em meio a tudo isso existia a guerra de egos entre Osbourne e Iommi, o guitarrista foi literalmente obrigado a demonstrar simpatia ao interagir descontraidamente com o público presente, essa história infelizmente terminou em 1979, com a debandada de Ozzy que ingressou em uma bem sucedida carreira solo nos anos de 1980. Enquanto nos palcos tudo corria dentro do que se esperava do grupo fora as coisas eram bem diferentes, pois o relacionamento com o empresário Patrick Meehan havia se desgastado, pois ele é quem controlava as finanças e recaíam suspeitas de que ele estava passando a mão na grana, pois quando perguntado sobre os reais valores sempre mudava de assunto se esquivando de dizer a verdade para o grupo.

A entrada de Meeham como empresário aconteceu em 1970, pois Jim Simpson que era no empresário do grupo no começo segundo a banda já não conseguia mais fazer o seu trabalho e nessa época já haviam sido lançados os dois primeiros álbuns, muito bem sucedidos. Então Meehan entrou para fazer a diferença, pois era ele o homem que levaria a rapaziada de Birmingham a outro patamar fazendo com que eles vendessem horrores e que estivessem na ponta da língua da rapaziada e nos toca discos mundo a fora, e só para se ter uma ideia da força do trabalho, ou seja, da capacidade do empresário os três álbuns posteriores a Paranoid entraram no Top 10 das paradas britânicas e no Top 20 na América do Norte, Estados Unidos e inclusive foi ele quem os levou para a lá, a terra prometida, pois lá prosperaram tornando-se proprietários de casas e carros de luxo e também torravam muita grana!  


Só que apesar dessa prosperidade, a relação entre eles Meehan foi para o espaço em definitivo devido ao caráter autoritário do empresário e logo ao termino da apresentação no festival canadense decidiram demiti-lo. Só que essa atitude não foi aceita por Patrick e esse fato acabou gerando um processo que tramitaria nos tribunais norte americano onde ficaram vários meses de audiências com negociações longas, reuniões com advogados que mais atrapalhavam do que fato ajudavam contribuindo para atrasar o fim do processo. Essa atmosfera negativa que pairava sobre o grupo os afetaria profundamente e obviamente refletiria no seu novo trabalho de estúdio que não por acaso viria a chamar-se Sabotage.

O processo de produção e gravação claramente tumultuado devido ao trânsito do processo, pois quando não estavam em estúdio estavam discutindo os detalhes da ação com os advogados ou quando não estavam sentados no tribunal no meio das audiências. O som obviamente seria ainda mais pesado, o local escolhido foi novamente o Morgan Studios, em Willesden, Londres, onde permaneceram por longos quatro meses, ou seja, os trabalhos começaram em fevereiro de 1975. O produtor assim como estúdio também foi repetido, Mike Butcher que havia trabalhado no álbum anterior estava de volta para mais uma empreitada sabatiana.


 Os trabalhos eram realizados em meio de bebedeiras e muita maconha e de montanhas de cocaína, pois devido aos atrasos e a existência de um bar dentro estúdio e como as gravações começavam regularmente às nove horas, pois era a hora em todos se reuniam, e terminavam apenas no dia seguinte, porém apesar dos excessos os caras conseguiam fazer tudo como manda o script, mas só uma vez que este falhou, pois como a sessão de gravação feita era ao vivo e os caras pediam para Ozzy cantar por cima um desses dias ele apagou de tão bêbado que estava e por isso não possível fazer os trabalhos naquele dia.  

Os planos de Tony Iommi e seus comparsas era lançar um disco diferente de Sabbath Bloody Sabbath, ou seja, um que fosse exatamente direto ao ponto, mais furioso e sem todas aquelas experimentações como no faixa Who Are You? que contava com a participação de Rick Wakeman e nem as orquestrações comuns ao rock progressivo, pois ao invés de optarem por seguir um caminho essencialmente técnico os caras queriam um disco de rock que expressasse os sentimentos presentes naquele momento pelo qual passavam, mas na verdade, ou seja, no final das contas o álbum também trouxe várias experimentações, era bem variado cujo som saia-se bem no contexto geral.


O disco é incendiário do começo ao fim e logo de cara “Holy in the Sky” uma bordoada ensurdecedora que estoura os tímpanos e esmaga os miolos com os riffs matadores de Iommi fazem o ouvinte entrar na realidade com as letras de Geezer Butler cantadas por Ozzy que se faz parecer um trovador do apocalipse cantando sobre os males, os vícios e as paixões humanas, a tecnologia em descontrole, a poluição e no oriente tudo parecia se posicionar contra, pois o Japão crescia economicamente, a guerra fria e a iminência de uma guerra nuclear, os problemas no Oriente Médio mostravam uma nova configuração da ordem política, o medo por tudo isso era ainda constante e não sabia-se no que poderia resultar todas aquelas mudanças.

Sabotage mostra claramente um som refinado, porém pesado e extremamente agressivo e “Don’t Start (Too Late)” é um exemplo da fertilidade do grupo, pois os violões se entrelaçam aos riffs pesados para criar uma estrutura sombria, épica servindo de interlúdio para “Sympton of the Universe” outra das canções mais emblemáticas da banda e oferece um panorama completo do que é o heavy metal, ou seja, aqui exprime-se de “a” a “z” o que é o peso, melodia e agressividade e acima de tudo é uma aula de como fazer uma composição com começo, meio e fim. Nada mais apropriado para narrar os sintomas do universo, o amor sem culpa, a crença sem pecado, ou seja, natureza humana despida, nua a flor da pele revelando seus desejos, o seu destino, futuro não obstante.


Fechando a primeira parte vem “Megalomania” é a mais poderosa e psicológica das faixas já registradas pelo grupo, as vozes de Ozzy vem do fundo do coração e narram às desventuras, ou seja, as armadilhas do mundo moderno, do sucesso e das trapaças, o jogo sujo e insano jogado com toda crueldade pelo opressor contra o oprimido e a fúria, a tensão emanada de todos eles põe o coração, alma para fora e reflete o espírito sombrio que os cercava e revelava o tão visceral e carnal era o lance, o lance aqui é dizer o mesmo que dizia Maquiavel “o homem é mau por natureza”, ou seja, não há salvação e nem esperança, pois tudo isso ai é hipocrisia.

“The Thrill of It All” parece na verdade uma sessão de terapia. Entre riffs, partes acústicas e climas sombrios e mais amenos tudo aqui faz parecer que a banda estava no divã, a letra fala de todos os sentimentos e das insatisfações, ou seja, das emoções disso tudo e da crença na humanidade, o destino na selva de pedra e das traições experimentadas, a busca de um sentido pleno de liberdade. Os momentos pesados se alternam a outros melódicos proporcionados por Tony Iommi e realmente parece ser um disco dele e demais ninguém, ou seja, tem-se a impressão que os outros apenas foram coadjuvantes. “Supertzar” reforça a mística a velha bruxa, os riffs, os coros da English Chamber Choir parecem uma espécie de trilha sonora para o final do mundo.


“Am I Going Insane (Radio)” não tem nada haver com qualquer coisa for à do contexto, ou seja, das circunstâncias em que o Black Sabbath se encontrava, ou seja, aqui é uma biografia de Ozzy Osbourne, a letra já deixa bem claro quem era o Mr. Madman e qual era o seu ritmo de vida como ele mesmo fez mostrar, pois: “ Todos os dias eu sento e desejo saber/Como minha vida costumava ser/Agora eu me sinto afundando/Agora minha vida é dura de se ver/Então diga-me pessoal, eu estou ficando louco?/Diga-me pessoal, eu estou ficando louco?”. 

Fechando de uma vez a sessão de terapia vem “The Writ” cuja letra é um ataque direto a Patrick Meeham, ou seja, era um desabafo daqueles de deitar no divã e ficar horas a fio falando, falando e falando coisas do tipo:"Que tipo de pessoas você acha que somos?/Outro palhaço que é uma estrela de rock and roll por você/Só por você [...] Você comprou e me vendeu com suas palavras mentirosas/As vozes no convés/Que você nunca ouviu, passaram/Sim passaram/Sua estupidez finalmente conseguiu se divertir com uma arma/Um pai envenenado que envenenou o próprio filho/Que é você, sim que é você”.


O disco foi lançado em 27 de junho de 1975, a recepção foi calorosa, pois a revista norte americana o elegeu como o melhor disco que a banda já havia gravado, mas nas paradas as coisas não refletiram o passado recente, pois apenas vigésima oitava posição foi alcançada na terra do Tio Sam, mas na terra natal as coisas foram diferentes, pois por lá a bolacha rendeu a sétima posição nos charts. A capa do disco é horrorosa, Ozzy trajando um quimono, Bill Ward uma meia calça que pegou emprestada de sua esposa, enquanto, Geezer e Iommi ostentavam um inexplicável visual brega, ou seja, um parecia um cafetão e o outro parecia uma espécie de mágico de circo.    

Sabotage fecha uma era de ouro na carreira dos quatro cavaleiros do apocalipse e dá a resposta para uma série de lacunas que ficaram abertas não apenas musicalmente falando, mas também pelo lado obscuro e sombrio da mente humana porque a banda sabia muito bem o mundo que enfrentava e tinha clara percepção do mundo, ou seja, conseguia através de suas canções passar a sua interpretação e explicar visão singular da realidade aterrorizadora. Não há mais o que explicar sobre o álbum e sua concepção de mundo, porém há um ressalva, ele é poético de uma maneira singular e também sombrio e realista sobre o mundo, o quanto podemos nos transformar e talvez transcender e por isso uma poesia deve combinar levando em conta tudo o que foi dito.


Buraco No Céu

Estou olhando por um buraco no céu
Estou vendo lugar nenhum pelos olhos de uma mentira
Estou chegando mais perto do fim da linha
Estou vivendo fácil aonde o sol não brilha

Estou morando num quarto sem qualquer vista
Estou vivendo de graça pois o aluguel nunca vence
Os sinônimos de todas as coisas que eu disse
São apenas os enigmas construídos em minha cabeça

Buraco no céu, Leve me ao paraíso
Janela no tempo, Através dela eu vôo

Eu vi as estrelas desaparecerem no sol
A caçada é fácil se você tem a arma certa
E embora eu esteja sentado esperando por Marte
Eu não acredito que haja algum futuro

Buraco no céu, leve me ao paraíso
Janela no tempo, através dela eu vôo
Yeah

Eu vi os cães de guerra desfrutando o banquete deles
Eu vi o mundo ocidental descer em direção ao oriente
O alimento do amor se tornou a cobiça do nosso tempo
Mas agora estou vivendo nos lucros do orgulho

Black Sabbath

Os Materiais

O mundo se encheu de entretantos,
de infundados temores e dor,
mas tem-se de reconhecer que sobre o pão salobro
ou junto de tal ou qual iniquidade
os vegetais, quando não foram queimados,
 continuaram florescendo e repartindo
e continuaram seu trabalho verde

Não há dúvida que a terra
entregou a duras penas coisas
de seu baú que parecia eterno:    
morre o cobre, soluça o manganês,
o ferro se despede do carvão
o carvão já fechou suas cavidades

Agora este século deve assassinar
com outras máquinas de guerra, vamos
inaugurar a morte de outro modo,
mobilizar o sangue em outras naves  

Pablo Neruda 

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