quinta-feira, 7 de maio de 2015

Rolando na Vitrola: Os Mutantes - Os Mutantes (1968)


O Brasil sempre teve uma música de primeira linha, primeiramente com a bossa nova que arrepiou corações desde seu surgimento nos momentos finais da década de 1950 e depois a com a tropicália na década seguinte e posterior, mas o que sempre matou foi à disposição do brasileiro a ir buscar lá fora as suas referências musicais, mas a culpa também tem outras fontes e por isso muita gente boa ficou mofando no esquecimento até ser descoberto e os que ainda estão por ser descobertos ficam lá na caverna respirando o cheiro do mofo cobertos patina, eu não estou falando Cartola.



Temos músicas boa hoje? Sim, temos é lógico e as referências do passado? Onde estão? Não estou falando de Caetano, Chico, Gilberto e das outras musas da MPB, eu estou falando do nosso rock que por incrível que pareça não foi um mero emulador do que os St)ones ou do que os Beatles fizeram, nada disso! Muita gente conhece a Rita Lee pelo trabalho dela na década de 1980, os hits que não faltaram para decorar as memórias dos sobreviventes e hoje fazem esse trabalho na memória cristalizada das novas gerações , mas nem fazem ideia que a eterna musa do rock brazuca começou a sua trajetória nos anos de 1960.


Ela e os irmãos Arnaldo e Sérgio formaram Os Mutantes, essa banda foi algo inédito na história musical desse país, o som com guitarras elétricas (algo inovador e odiado também) derramando um ar lisérgico, divertido totalmente experimental fazia pulsar uma energia renovadora e catártica. Fãs de Beatles assim com os demais jovens de sua geração que pegaram em guitarras para formar as suas bandas o trio ao invés de tentar ser mais uma versão tupiniquim do caras olhou para o background musical e cultural nacional e fez uma fusão arquitetônica que deixava todos e quaisquer artistas pensativos e nem pintores como Paul Gauguin, Van Gogh conseguiram ser tão expressivos em suas cores e traços e influências diligentemente buscadas no oriente e África.

O trio criou uma massa sonora que incorporou os gêneros musicais da terra e fez um fusão com o rock psicodélico e experimental criando um amalgama sonoro genuinamente brasileiro que se faria conhecer no além mar, ou seja, no velho continente. Quem lançou o trio? Ronnie Von, o cara para quem não conhece tinha um programa de televisão e além de ser cantor de rock e fã de Beatles, e foi lá que ele lançou o trio, e outra o programa dele era bem mais legal do que o do Roberto Carlos e a sua Jovem Guarda que nessa época já estava entrando na reta final.


O primeiro disco dos Mutantes é aquela obra prima que você chega e fala: “Esse é o Sargeant Peppers desses caras”, o produtor foi o maestro Rogério Duprat e isso num primeiro momento pode até causas estranheza pelas diferenças musicas, mas o maestro soube muito bem captar a sonoridade e o ímpeto da rapaziada e deve ter se esbaldado com eles. O disco abre com “Panis et Circensis” (em português significa Pão e Circo), a música de autoria de Caetano Veloso e Gil foi um presente deles para o grupo, o que se tem é uma crítica a ditadura e a classe média brasileira mais preocupada com o próprio umbigo, ou seja, o jantar do que acontecia no país.  

A faixa seguinte é “Minha Menina” de Jorge Ben e tem até uma versão em inglês cujo título “She is my Shoo Shoo”.  Depois tem “O Relógio” uma ótima música e lembra um dos contos de Allan Poe, pois o relógio assim como no conto não é só a contagem do tempo, a chegada de alguém e sim a ligação da vida e da morte, ele deixou de funcionar assim como as coisas na vida deixam de funcionar porque mudaram como é natural em tudo que é dialético.


"Maria Fulô", autoria de Leonel de Azevedo e José de Sá Roris, aparece numa roupagem de samba conduzida por instrumentos característicos remetendo ao passado escravocrata do nosso país, que ainda produzia e produz as relações e estrutura coloniais, a vida de seca e miséria no sertão do país. “Senhor F” mescla jazz, guitarras distorcidas e o pop com ar debochado para criticar a influência negativa das tecnologias de massa como a televisão e o rádio que já haviam invadido simultaneamente as milhares de casas da classe média brasileira.  "Baby" é daqueles hits que marcam uma geração e servem apenas para completar o álbum, ou eja, é algo puramente comercial, a cançãode Caetano não era ruim, mas já era bem batida e existiam várias versõesa Gal Costa no seu segundo álbum tinha uma versão dela só que diferente.

"Le Premier Bonheur du Jour" é uma canção dos compositores franceses Frank Gérald e Jean Renard, gravada originalmente por Françoise Hardy, a versão dos Mutantes, rock psicodélico, foi cantada em francês mesmo e tem participação de Caetano nos vocais. “Trem Fantasma” é fruto da parceria entre o Caetano e a banda, o nome vem daquele brinquedo dos parques diversões que causava arrepios e a letra narra bem essa viagem fantasmagórica de poucos minutos que para alguns era uma eternidade.



“Tempo no Tempo” é uma versão em português dos Mutantes da canção "Once Was a Time I Thought", escrita originalmente por John Phillips para seu grupo The Mamas & The Papas, a letra é uma bela crítica social, os arranjos de guitarra e baixo e a voz de Rita Lee se destacam. O encerramento da obra é com a peça instrumental “Ave Gengis Khan” e nela percebe-se elementos que diriam ao longo dos demais álbuns os rumos que o grupo inevitavelmente seguiria. 

A obra prima é essa ai e é genuinamente brasileira e o sucesso dela atraveria o além mar e como já disse atingiria o velho mundo e em 1969, Os Mutantes iriam a França mostrar a sua força sonora altalmente lisérgica uma experiência para ser devorada com todos os sentidos e entender de uma vez por todas que o Brasil tem os seus encantos. Esse disco captura e emula o espírito daquela época que o país vivia e recaia como um grito de liberdade e rebeldia contra todos os padrões hipocritamente estabelecidos. Enfim é um disco que todos os brasileiros deveriam conhecer e se questionar sobre o que andaram ouvindo e perceber que o passado sempre tem uma lição, um recado para o presente e o primeiro e mais importante é liberte-se. 

Lista de músicas

01 Panis et Circensis 
02 A Minha Menina 
03 O Relógio 
04 Adeus Maria Fulô
05 Baby 
06 Senhor F
07 Bat Macumba 
08 Le Premier Bonheur du Jour
09 Trem Fantasma 
10 Tempo no Tempo (Once Was a Time I Trought)  
11 Ave Gengis Khan


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